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Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz detalha os fatores de risco da hanseníase

Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que fatores socioeconômicos elevam a possibilidade de o indivíduo desenvolver hanseníase. O estudo é o primeiro publicado que utiliza os dados produzidos pela “Coorte de 100 Milhões de Brasileiros”. Trata-se de uma plataforma de pesquisas que viabiliza o estudo dos determinantes sociais e dos efeitos de políticas e programas sociais sobre os diferentes aspectos da saúde na sociedade brasileira em nível inédito no mundo. A pesquisa é fruto da colaboração de pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Universidade de Brasília, da Fiocruz Brasília, da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM) e da Universidade Federal Fluminense (UFF).

A pesquisa “Socioeconomic determinants of leprosy new case detection in the 100 Million Brazilian Cohort: a population-based linkage study” (clique aqui e confira o artigo na íntegra, em inglês), publicada pelo periódico The Lancet Global Health, confirmou que a hanseníase é uma doença negligenciada e pessoas que vivem em condições típicas da pobreza são mais suscetíveis: as chances de ser portador da doença dobram quando há ausência de renda, escolaridade e/ou condições inadequadas de habitação. Além disso, a magnitude do estudo permitiu que, pela primeira vez, pudessem ser analisados critérios étnicos com precisão. Após ajustadas todas as outras características, a análise indicou que pessoas autodeclaradas pretas e pardas são mais propensas a ter a doença do que as brancas.

Foram analisados, com precisão e escala até então inéditas, dados individuais de 33 milhões de pessoas que utilizaram algum benefício social entre 2007 e 2014, dos quais quase 24 mil eram pessoas com a enfermidade. O tamanho da amostra com dados individuais torna esse o maior estudo já realizado sobre o tema.

O estudo
Para produzir o estudo, os pesquisadores cruzaram dados individualizados e anônimos do Cadastro Único (base utilizada para cadastrar candidatos a qualquer um dos mais de 20 programas sociais do governo federal e que chega a ter 114 milhões de pessoas), com os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) – que registra os casos de hanseníase no Brasil – durante o período de 2007 a 2014.  É a primeira vez que dados individualizados são utilizados para estudos de saúde nessa magnitude.

A análise dos dados indicou que indivíduos residentes nas regiões Norte ou Centro-Oeste têm de cinco a oito vezes mais chances de contrair a doença – probabilidade que chega a ser 34 vezes maior em crianças que vivem no Norte do país em comparação com as que residem na região Sul. Pessoas em situação de pobreza (sem renda ou com renda per capita abaixo de R$ 250 por mês) apresentaram um risco 40% maior em relação aos indivíduos que ganham acima de um salário. Pessoas do sexo masculino também estão mais suscetíveis à doença.

Quando analisados somente os dados de pessoas até 15 anos, crianças da raça/cor preta possuem 92% mais risco de adoecer do que os da branca – essa taxa é de 40% quando incluída a população adulta. A aglomeração de pessoas na mesma casa e carência de energia elétrica também foram consideradas como fatores de risco nesta faixa etária. A ausência de rede pública de saneamento e residir em moradias de materiais como taipa e madeira também foram relacionados com maior risco de adoecimento pela hanseníase.

Como a hanseníase é uma doença rara com um longo período de incubação, os pesquisadores afirmam que o tamanho da população estudada e o período de tempo de 8 anos possibilitou realizar “a maior investigação prospectiva em nível individual sobre pobreza e hanseníase, fornecendo uma estimativa mais robusta do efeito da privação na hanseníase do que qualquer outra já realizada”.

Uma das principais autoras do estudo, a pesquisadora do Cidacs/Fiocruz, Julia Pescarini, destaca que, além do potencial de subsídio para políticas públicas, os estudos que vêm sendo desenvolvidos pelo Cidacs são importantes para o avanço da ciência nessas áreas. “A base de dados da ‘Coorte de 100 Milhões de Brasileiros’ fornece uma oportunidade única para a comunidade científica estudar, com detalhes, as doenças que atingem a parcela mais pobre da população brasileira e quais as políticas sociais têm sido mais efetivas para o seu controle”, afirma.

Já a pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, Joilda Nery, explica que as evidências encontradas auxiliam os gestores na tomada de decisão e podem contribuir para promover políticas públicas mais equitativas. “A hanseníase não acontece somente nos grupos em situação de pobreza – pessoas com maior nível socioeconômico também podem adoecer –, porém na parcela mais pobre da população do Brasil (a amostra analisada) as pessoas que apresentaram os piores níveis de escolaridade, renda, ocupação, moradia e de raça/cor preta estão sob maior risco”, pontua.

Os estudos do grupo foram financiados por meio de diversas fontes de fomento. No âmbito nacional: Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Já no âmbito internacional, os financiadores foram: Medical Research Council, Wellcome Trust, Economic and Social Research Council e Biotechnology and Biological Sciences Research Council.

Perspectivas
Além desse estudo, está em fase de finalização outra dezena de pesquisas do grupo que se debruça sobre a avaliação do efeito dos determinantes sociais e impacto de programas sociais na incidência, incapacidades físicas e desfechos do tratamento da hanseníase. O principal fator destacado pelos pesquisadores é o potencial desses estudos para subsidiar políticas públicas direcionadas à detecção precoce e tratamento nas populações vulneráveis.

A hanseníase é uma doença curável, de baixo contágio, mas que desde a antiguidade é carregada de estigma e que até a década de 1960 era tratada por meio da internação compulsória no Brasil. A enfermidade atinge, ainda hoje, 200 mil pessoas por ano em todo o mundo, sendo que a cada dez novos casos no planeta, um ocorre no Brasil, de acordo com dados da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/ONU).

Fonte: Agência Fiocruz de Notícias