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Lançamento de livro sobre hanseníase marca momento de discussão sobre a doença

Evelyne Leandro é paranaense, foi criada na Bahia e mora, há sete anos, na Alemanha. A escritora veio a Curitiba na noite da última quarta-feira, dia 5, para lançar seu livro “Hanseníase: a luta contra uma doença há muito esquecida – Um diário da Berlim contemporânea”, no Círculo de Estudos Bandeirantes. A descrição desta história parece simples, mas não é. Nunca foi. A hanseníase, antigamente conhecida como lepra, é uma doença envolta a místicas, desconhecimento e muito preconceito.

“O primeiro preconceito vem de nós mesmos. Eu não queria aceitar a doença e me perguntava: o que eu fiz de errado? Lembrava da passagem bíblica que falava dos leprosos. E isso não tem nada a ver. Mesmo assim só contei para alguns familiares e poucos amigos”, conta Evelyne.

A hanseníase sempre foi uma doença estigmatizada. E, há algum tempo, está esquecida. Mas isso não se deve ao fato dela estar extinta no mundo, especialmente no Brasil. Pelo contrário. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país é a segunda nação com o maior número de casos e é o único que não está em processo de eliminação da doença.

“A bactéria pode ficar entubada por até 20 anos; então eu não faço ideia de onde, como e de quem peguei a doença. Mas ela deu os primeiros sinais quando fazia dois anos que eu estava morando na Alemanha. Ainda em processo de transição, recolocação e aprendizado. Foi difícil diagnosticar, tratar e, principalmente, aceitar”, aponta a autora.

O Brasil é o único país do mundo que ainda não alcançou a meta da Organização das Nações Unidas (ONU). São cerca de 30 mil novos casos por ano, correspondendo a uma média de 15 pessoas contaminadas a cada 100 mil habitantes. Mas na Alemanha não é assim. A doença foi extinta no século 18. Em 2015, por exemplo, foram diagnosticados apenas dois casos (os dois em pessoas estrangeiras).

“No começo eram manchas na pele, depois dor. Muita dor nas articulações. E as manchas piorando. E ninguém conseguia fechar um diagnóstico. Por vezes me senti um objeto de estudos. Foi em uma troca de e-mails com a minha mãe que ela levantou essa possibilidade de ser hanseníase. Talvez porque no Brasil a doença é mais comum”, explica.

Essas e outras histórias estão reunidas no livro nesta semana, que é uma espécie de diário de Evelyne. A publicação da obra em português teve o apoio da Associação Eunice Weaver do Paraná (AEW-PR). Exemplares podem ser adquiridos gratuitamente, basta enviar um e-mail para diretoria@aew.com.br.

O lançamento
Estiveram presentes no lançamento autoridades municipais, estaduais e sociedade em geral. Além dos agradecimentos e autógrafos, o momento foi para compartilhar uma história de luta e superação. “Eu agradeço. Agradeço a vocês pela presença, mas agradeço, em especial, a Evelyne. Por ela ter escolhido compartilhar essa história e esse momento com todos nós. Conseguimos perceber pelos relatos no livro as dificuldades, e nos sentimos honrados por conhecer e vivenciar, de certa forma, este momento”, expõe a presidente da AEW-PR, Carolina Pires Fossati Balaroti.

Evelyne recebeu amigos e homenagens. Sorridente, conheceu a história da Associação e parceiros que se sensibilizaram com a sua obra. “A AEW-PR trabalha com ações de fazer, influenciar, disseminar e inovar, por isso participamos de publicações como esta, que sistematizam nossos valores e parcerias”, reitera a representante da parceria entre a Associação e o Complexo Pequeno Príncipe, Ety Cristina Forte Carneiro.


“Eu faço parte da AEW-PR desde 1980. Já passamos por dificuldades, mas superamos, e fazer parte dessas histórias mostra como viver isso é gratificante. Nós sempre podemos fazer algo de bom pelo próximo. Temos que ter coragem e não desistir. Esse é o propósito da Associação. Contem comigo”, complementa a integrante do conselho deliberativo da instituição, Isolde Soncin.

Essas ações e parceiros fazem parte da luta para a erradicação da hanseníase e do preconceito. “Desconhecimento e medo são as palavras-chave sobre essa doença. Muitas pessoas preferem não conhecer. Ou conhecer torto – conhecimentos errôneos que criam ainda mais tabus. Não podemos deixar isso acontecer”, opina a coordenadora do Programa Estadual de Controle da Hanseníase, Jaqueline Finau.

De acordo com a representante da Secretaria Municipal da Saúde e da Fundação Pró-Hansen, Noely do Rocio, o preconceito é o maior ato a ser combatido. “Não podemos deixar de falar da doença. O maior problema da hanseníase não é a doença em si, e sim o preconceito que está envolto a ela. Esse preconceito faz com que as pessoas não se engajem nesta luta. Então eu acho muito interessante esse livro. Não podemos nos fechar nesse preconceito”, diz.

Histórias em comum
Se Evelyne pode ser considerado um caso excepcional na Alemanha, no Brasil é diferente. Somente no lançamento de seu livro, ela conseguiu reunir mais duas pessoas com hanseníase. Luciana Teixeira veio de Brasília especialmente para conhecer a autora. Em tratamento há dois anos da hanseníase, tipo neural pura, a aposentada foi em busca de informações sobre a doença assim que diagnosticada – depois de passar por 22 médicos no Distrito Federal. Fez essa viagem como forma de apoio a Evelyne e a tantas outras pessoas que passam pela mesma luta que elas.

“Teve um médico que disse que eu não era o perfil social/econômico da doença. Esse preconceito não pode existir. Todos estamos suscetíveis. Então depois de entender melhor a doença, procurei na internet pessoas que tinham a hanseníase. E aí levei um susto: ninguém se assume como pessoa com hanseníase. A Evelyne é a única pessoa que encontrei na internet que ‘dá cara à doença’. Pensei: tenho que conhecê-la e seguir o exemplo dela. Trocamos e-mails e vim a Curitiba para esse momento. Temos que assumir a doença, falar sobre ela. Informar e prevenir”, desabafa Luciana.


Além dela, a maranhense Kethleen Ribeiro, que mora em Curitiba há dois anos e também tem hanseníase, estava presente no lançamento. Feliz por compartilhar a sua história, a auxiliar de vendas já passou por difíceis momentos na luta contra a doença. Além dela, o pai e os outros dois irmãos tiveram hanseníase. “Eu descobri com 14 anos, mas tinha os sintomas desde muito nova. Por causa do diagnóstico tardio, quase perdi a visão, tive descompressão neural, minhas pernas ficaram com tamanhos irregulares e passei por várias cirurgias. Sempre soube que não era única. Mas pelas pessoas se ‘esconderem’, não conhecia ninguém além da minha família que tivesse tido a doença. Por isso, quando vi a divulgação do livro na internet, quis vir dar um abraço na Evelyne. Somos muitos, precisamos nos mostrar”, afirma Kethleen.