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Ciência brasileira perde um dos maiores estudiosos do país em fisiopatologia da hanseníase

As mais de duas décadas de ampla dedicação à saúde pública, com foco no desenvolvimento de pesquisas no âmbito da hanseníase (uma das doenças mais antigas da humanidade, que atinge pele e nervos e é capaz de gerar lesões neurológicas), fazem parte do legado que perpetuará a memória de Milton Ozório Moraes, ex-chefe do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O pesquisador faleceu aos 51 anos, na manhã dessa quarta-feira, dia 9 de novembro. Milton lutava contra um câncer.

Crédito da foto: Ricardo Valverde/Agência Fiocruz de Notícias

Suas contribuições à saúde das populações mais vulneráveis eram notórias, atraindo a atenção de entidades nacionais e estrangeiras. Recentemente, em julho de 2022, a organização mexicana sem fins lucrativos Fundação Carlos Slim reconheceu sua trajetória científica no prêmio internacional “Carlos Slim de Saúde”. Em 2021, Ozório também foi agraciado com o Prêmio Bacurau, concedido pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).

Com graduação e mestrado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Milton deu seus primeiros passos no IOC por meio do doutorado realizado no Programa de Pós-Graduação stricto sensu de Biologia Celular e Molecular, em 1997.

Sob a orientação de Euzenir Nunes Sarno, responsável pela reativação do então serviço de leprologia da Fiocruz descontinuado pela ditadura militar e criadora do atual Laboratório de Hanseníase do IOC, Milton desenvolveu e publicou vários artigos sobre expressão gênica em pacientes em estados reacionais, que constituiu sua tese de doutorado, defendida nos anos 2000.

Dois anos depois, ingressou no Instituto Oswaldo Cruz como pesquisador do Laboratório de Hanseníase. Ao longo da carreira, suas pesquisas também focaram na epidemiologia genética de doenças infecciosas e na análise de polimorfismo genético em genes de citocinas.

No último dia 21 de outubro, Milton e Euzenir participaram da mais tradicional atividade acadêmica do Instituto, o Centro de Estudos do IOC. Com o tema “Genética, imunologia e metabolismo em doenças micobacterianas”, Ozório foi o palestrante e Euzenir atuou na mediação. Clique aqui e relembre este momento.

Sempre atento às necessidades da população, um dos grandes destaques de sua trajetória foi a recente criação de um assistente de diagnóstico baseado em inteligência artificial, que pode ajudar a identificar casos suspeitos de hanseníase. A iniciativa, chamada de AI4Leprosy, foi desenvolvida em parceria com um time internacional de cientistas, a Microsoft AI for Health e a Fundação Novartis.

O pesquisador também desenvolveu e registrou, junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em parceria com o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), um kit de diagnóstico de hanseníase baseado na detecção de DNA do Mycobacterium leprae.

O biologista molecular estava à frente do desenvolvimento de uma vacina terapêutica e profilática para hanseníase, chamada de Lepvax. Nos últimos meses, participou de reuniões para alinhamento dos documentos para submissão à Anvisa, junto com a equipe de Bio-Manguinhos. A vacina experimental já foi aplicada em seres humanos nos Estados Unidos e mostrou ser segura e bem tolerada em ambas as doses do antígeno.

Milton liderou o grupo de pesquisa em genômica funcional e genética epidemiológica de doenças infecciosas, atuando principalmente nos seguintes temas: genética e imunologia de doenças infecciosas – como hanseníase, tuberculose, vírus zika, COVID-19, dengue, leishmaniose, doença de Chagas e sepse – e diagnóstico molecular de hanseníase e tuberculose.

Foi gerente da Plataforma Tecnológica de Genotipagem e Expressão Gênica, do Programa de Desenvolvimento Tecnológico de Insumos para a Saúde (PDTIS). Também coordenou o programa INOVA-Fiocruz como assessor da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, além de ter participado do comitê científico do MALTALEP e ter sido facilitador da área de diagnóstico da Parceria Global para Hanseníase Zero (do inglês GPZL).

Ozório integrou, ainda, um projeto de mapeamento da diversidade de microrganismos presentes nos espaços públicos em cidades dos seis continentes. O Consórcio Internacional Metagenômica e Metadesenho do Metrô e Biomas Urbanos, conhecido como MetaSUB, acompanhou os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro de um ponto de vista inédito. Enquanto jogadores e expectadores se movimentavam pela cidade a caminho das competições, Milton e outros cientistas visitavam estações de metrô para coletar amostras e analisar a transformação provocada pelo megaevento no microbioma carioca.

A atuação de Milton foi destaque no comitê técnico assessor do Ministério da Saúde junto à coordenação de doenças em eliminação, era pesquisador do CNPq e do Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ. Em 2010, o pesquisador passou a ser afiliado à Academia Brasileira de Ciências (ABC), após ser indicado pela excelência do seu trabalho.

Sua paixão pela área acadêmico-científica o levou à coordenação do Programa de Pós-Graduação stricto sensu de Biologia Celular e Molecular do IOC, entre 2006 e 2010. Durante a sua coordenação, participou de um processo de reestruturação do programa que culminou com a progressão do conceito para a nota 7 (máxima) na avaliação CAPES de 2012.

Na Fiocruz, ele ocupou o cargo de coordenador-geral adjunto de educação da Vice-Presidência de Ensino, Informação e Comunicação, onde auxiliou no desenvolvimento de política para formação em co-tutela, de novas formas de formação com turmas especiais em consórcios de programas e fomentou as discussões que propiciaram o credenciamento do curso de mestrado profissional do Programa de Pós-Graduação em Vigilância e Controle de Vetores do IOC.

Atou, ainda, em iniciativas de formação de recursos humanos no exterior: em países vinculados ao Mercosul, no Haiti (região do Caribe) e, especialmente, em Moçambique (África), onde também esteve envolvido em atividades de pesquisa. Ozório também era professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

O pesquisador somou mais de 170 artigos publicados em periódicos revisados por pares. Foi revisor eventual para agências de fomento estaduais (FAPESP, FAPEMIG, FACEPE e FAPERJ) e federais (CNPq, CAPES, DECIT) e internacionais (Leloir/CONICET, do Instituto Pasteur, e MRC, por exemplo).

Foi editor-associado da Leprosy Reviews e da Frontiers in Immunology, além de periódicos como Lancet Global Health, Lancet Infectious Diseases, PLOS Pathogens e Journal Infectious Diseases, dentre outras.

Os mais de 50 mestres e doutores para a ciência e a saúde nacionais e internacionais formados por Milton, além de todos aqueles com os quais trabalhou, ensinou e conviveu certamente possuem um pouco da generosidade e grandiosidade do especialista e manterão vivo o seu legado.

Ozório deixa esposa e quatro filhos. O velório foi realizado em 10 de novembro, no Crematório e Cemitério da Penitência, no Rio de Janeiro.

Fonte: Comunicação/Instituto Oswaldo Cruz