O Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen-DF) desenvolveu um protocolo para entender o motivo pelo qual alguns pacientes com hanseníase não respondem adequadamente ao tratamento. O estudo nasceu em virtude de uma necessidade apresentada pelas equipes de saúde da rede pública, que muitas vezes têm dúvida em relação à falta de resultado das intervenções medicamentosas.
Para responder a esse questionamento, a pesquisa faz o sequenciamento genético do microrganismo para detectar mutações que levam a bactéria a ter resistência a antimicrobianos utilizados no tratamento. “A hanseníase tem uma peculiaridade. Não conseguimos fazer a cultura do microrganismo no laboratório, como se faz com outras bactérias e isso também não permite que façamos um teste de sensibilidade para traçar o perfil”, explica o gerente de Biologia Médica do Lacen, Fabiano Costa.
O protocolo, prossegue o gestor, será capaz de verificar por técnica molecular o perfil do bacilo de Hansen, apontando se houve ou não mutação. “Muitas vezes, os médicos estão esperando um resultado negativo de uma baciloscopia depois de um ano ou três de tratamento, e quando o paciente volta para fazer o controle, ele continua com a positividade da doença”, detalha. “Esse protocolo é para tirar a dúvida se houve desenvolvimento de resistência da bactéria”, completa.
Por enquanto, o processo ainda está em fase de estudo e apenas com amostras do Distrito Federal. A expectativa é de que em breve possa ser usado no dia a dia dos pacientes e médicos da rede pública. “Esperamos que logo estejamos credenciados para ser referência em hanseníase”, afirma o gerente.
Doença silenciosa
Causada pela bactéria Mycobacterium leprae, a hanseníase é transmitida por meio de gotículas de saliva eliminadas pela fala, por tosse e espirro. Os sintomas podem demorar de dois anos a sete anos para se manifestar no paciente depois da infecção. Além disso, os primeiros sinais costumam ser indeterminados, dificultando o diagnóstico do problema.
“Um dos sinais mais comuns são as manchas de coloração diferenciada, mais esbranquiçada ou mais avermelhada, com evolução para perda de pelo no local e de sensibilidade”, aponta o gerente de Apoio à Saúde da Família, da Secretaria de Saúde (SES-DF), o enfermeiro Geandro de Jesus Dantas. “Existem outros estágios, como aumento da sensibilidade e alterações do nervo. Nas fases mais complicadas, [os pacientes] apresentam deformidades, atrofia do nervo e alterações importantes nos movimentos das mãos e dos pés”, acrescenta.
A gerente de recursos humanos Andréia Barros, 24 anos, descobriu a doença por acaso. Aos 17 anos, ela sofreu uma queimadura em uma das pernas e só percebeu minutos depois. O machucado foi tratado no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), mas, mesmo após uso de medicamento e curativo, não teve evolução. Foi quando uma enfermeira suspeitou que Andréia tinha hanseníase e a encaminhou à Unidade Básica de Saúde (UBS) 1 de Águas Claras.
Acompanhamento
À época, a jovem já não tinha sensibilidade nas pernas – por isso não sentiu a queimadura – e estava com um alto nível da bactéria hansênica no organismo. O tratamento começou logo após o diagnóstico e terminou no fim do ano passado. “Acho que se eu não tivesse passado por uma enfermeira que conhecia a doença, até hoje estaria tendo reação sem saber o que era”, relata.
Andréia suspeita que tenha adquirido a enfermidade em Tocantins, onde viveu parte da adolescência, tendo em vista que não há outros casos na família. Hoje, ela está livre da doença, mas convive com a falta de sensibilidade nas duas pernas, do joelho aos pés. Além disso, sonha em se formar em enfermagem para poder cuidar de mais pessoas que tenham hanseníase. “Vocês que estão passando pelo tratamento, lembrem-se que a parte ruim vai valer a pena. Não desistam, continuem lutando, porque se correr atrás, dá tudo certo”, ressalta.
O acompanhamento de Andréia foi feito pela enfermeira e apoiadora clínica da hanseníase Maria José Neiva Silveira e Leite, junto a uma médica. “Se não tiver o vínculo e empatia, o paciente acaba abandonando o tratamento. Não é fácil tomar remédio todo dia e todo mês ter que comparecer em uma unidade de saúde para pegar mais medicação. No dia em que a pessoa comparece, precisa tomar seis comprimidos na dose supervisionada, e o restante leva para casa, tomando dois por dia”, pontua Maria José.
Tratamento
A especialista também lembra que o paciente deve completar o tratamento prescrito, uma vez que, caso haja interrupção, a doença será considerada como não tratada. “O Ministério da Saúde define que só é considerado tratado, curado da hanseníase, quem faz o tratamento até o final – e ainda há o risco de sequelas graves, como problemas na visão”, alerta.
“Se o paciente tiver até cinco lesões e nenhum nervo comprometido, faz o tratamento de seis meses. Mas, se tiver algum nervo comprometido, independentemente do número de lesões, ou seis manchas ou mais pelo corpo, o tratamento terá duração de um ano”, esclarece a enfermeira. “Até que as bactérias mortas sejam eliminadas do organismo, o paciente tem muitas reações hansênicas. É como se ficasse uma poeira de bacilos mortos no organismo. Às vezes, demora cinco anos ou mais para terminar tudo”, conclui a enfermeira. Todos os remédios são ofertados pela rede pública.
Onde procurar ajuda
A doença pode ser diagnosticada em unidades básicas de saúde que compõe a rede do Sistema Único de Saúde (SUS). O diagnóstico é feito mediante aplicação do teste. Em caso de positividade, é oferecido um coquetel medicamentoso que deve ser utilizado por até 18 meses. A medicação garante a estagnação do desenvolvimento da doença, bem como impede o paciente de transmitir a enfermidade. Durante o tratamento – que é gratuito –, também é oferecida aos pacientes a participação em grupos de apoio.
Fonte: Agência Brasília