A hanseníase é uma doença crônica, transmissível, tem preferência pela pele e nervos periféricos, o que lhe confere alto poder de causar incapacidades e deformidades físicas, principais responsáveis pelo estigma e preconceito que permeia a enfermidade. A transmissão se dá de uma pessoa doente sem tratamento, para outra, após um contato próximo e prolongado.
Entre 2006 a 2015, o Brasil conseguiu reduzir a taxa de detecção da hanseníase, diminuindo de 43.652 para 28.761 o número de novos casos diagnosticados. Entretanto, mesmo com a redução apresentada, a detecção no país ainda é considerada alta para a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dos 28.761 casos registrados em 2015, 2.113 (7,34%) foram crianças com menos de 15 anos, sinalizando focos de infecção ativos e transmissões recentes.
No mês em que é lembrado o Dia Mundial de Luta Contra à Hanseníase, o Janeiro Roxo – cor definida em 2015 para simbolização do enfrentamento a doença no país -, para alertar a população a respeito da enfermidade, o Blog da Saúde entrevistou a coordenadora-geral de hanseníase e doenças em eliminação do Ministério da Saúde, Carmelita Ribeiro Filha.
Confira a entrevista:
Blog da Saúde: O que é a hanseníase?
Carmelita Filha: É uma doença dermato-neurológica, que tem manifestação na pele, como manchas, geralmente com alteração de sensibilidade no local. A parte neurológica vem dos nervos periféricos, responsáveis pela sensibilidade e motricidade.
Blog da Saúde: E quais são os principais sinais e sintomas?
Carmelita Filha: Os principais sinais e sintomas são manchas na pele com alteração da sensibilidade térmica e/ou dolorosa; comprometimento neural periférica de mãos e/ou pés e/ou face.
É comum que as pessoas falem que estão com uma mancha dormente no corpo e cheguem ao consultório com uma cicatriz no local, por terem feito o teste da sensibilidade. Mas é importante ressaltar que nem sempre a mancha estará totalmente dormente, isso pode variar, dependendo do tempo da doença. As manchas podem ser esbranquiçadas, não doer e não coçar. Elas aparecem geralmente em lugares como as costas, braços, perna e rosto, mas isso não elimina outras áreas do corpo. É preciso ficar atento, porque também pode haver alteração de sensibilidade sem a presença mancha.
Blog da Saúde: E quais são as causas? É uma doença transmissível?
Carmelita Filha: A hanseníase é uma doença milenar, também conhecida como lepra – o nome não é mais utilizado no Brasil, por causa do preconceito relacionado à enfermidade. O período de incubação da bactéria é longo e a doença é transmissível. Então, uma pessoa que possui hanseníase do tipo multibacilar, que não esteja em tratamento, transmite a doença para as pessoas que tem maior convívio. A bactéria causadora da hanseníase é a Mycobacterium leprae. Ela entra pelas vias aéreas superiores por meio de um espirro, tosse ou até mesmo uma conversa.
Blog da Saúde: Quais são os tipos de hanseníase? Todos eles são transmissíveis?
Carmelita Filha: A hanseníase tem duas fases ou formas clínicas: paucibacilar e multibacilar. A forma paucibacilar é a inicial da doença e o tratamento é realizado com seis doses de Poliquimioterapia (PQT); na forma multibacilar, o tratamento é realizado com doze doses de PQT. Quem dá o diagnóstico é um médico da equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF), presente nas Unidades de Saúde, inicialmente de maneira clínica e se necessário, com a confirmação no laboratório.
Blog da Saúde: E como as pessoas podem evitar a contaminação? Quais os cuidados?
Carmelita Filha: A forma de prevenção consiste em diagnosticar os casos precocemente e iniciar com urgência o tratamento, para que as pessoas evitem a transmissão. Outra coisa importante de ressaltar é que é muito difícil saber quem foi o transmissor da doença, porque ela tem um período de incubação longo, e pode ficar em média cinco anos sem apresentar sintomas. O Ministério da Saúde estimula que os profissionais fiquem atentos para os sinais e sintomas da hanseníase, pois o Brasil é país endêmico. Precisamos ficar atentos para o diagnóstico não só do paciente, mas de toda família. Os contatos mais próximos da pessoa que ficou doente também devem ser examinados e diagnosticados o quanto antes.
Blog da Saúde: E como as pessoas podem procurar um serviço de saúde para fazer o diagnóstico?
Carmelita Filha: A hanseníase é uma doença que está na Atenção Básica, então qualquer Unidade de Saúde deve fazer o diagnóstico. Se uma pessoa tiver qualquer sinal e sintoma, e suspeitar que tenha a doença, deve procurar a Unidade mais próxima de sua casa. Ali, a equipe pode examinar, dar o diagnóstico, e logo iniciar o tratamento. Toda Unidade oferece tratamento de hanseníase gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Blog da Saúde: Mesmo sem sintomas, eu posso procurar a Atenção Básica?
Carmelita Filha: O ideal é que todas as pessoas que tiverem um amigo ou parente da família com histórico de hanseníase, procurem as Unidades de Saúde, mesmo que não tenham apresentado sinal.
Blog da Saúde: E como funciona o tratamento?
Carmelita Filha: Quando o paciente tem o diagnóstico de hanseníase, ele recebe todas as informações e é imediatamente indicado para tratamento. Ele dura um ano para casos de hanseníase multibacilar, e seis meses para os casos paucibacilares. A primeira dose é dada diretamente na Unidade de Saúde. Funciona assim: todo mês o paciente tem que ir à Unidade para tomar uma dose supervisionada do remédio, e pegar o resto da medicação para ser tomada durante 28 dias em casa, todos os dias. Nos casos de hanseníase paucibacilar, um comprimido por dia, no caso de multibacilar, dois. Concluindo o tratamento em casa, o paciente volta à Unidade, toma a medicação supervisionada, e pega o restante da medicação novamente, até o fim do tratamento. Caso tenha algum problema com a medicação, é na Unidade que ele deve pedir orientação.
Blog da Saúde: Hanseníase mata?
Carmelita Filha: Não mata, mas traz deformidades físicas se não for tratada adequadamente e precocemente.
Blog da Saúde: Por que as pessoas que possuem a doença são estigmatizadas?
Carmelita Filha: O principal fator são as sequelas, pois a hanseníase poderá causar deformidade física. A pessoa que tem o tipo multibacilar, quando tem o diagnóstico tardio, tem mais chance de ter uma incapacidade física. A micobactéria pode acometer os nervos periféricos dos olhos, mãos e pés. As pessoas que foram curadas não transmitem mais a doença, mas com frequência são estigmatizadas pela aparência.
Fonte: Blog da Saúde