Atuação

Memória, justiça e cuidado: a caminhada dos filhos separados de seus pais que tinham hanseníase

Durante décadas, o silêncio marcou a história de muitas crianças e adolescentes que foram separados de seus pais devido à política de isolamento compulsório em razão da hanseníase. No antigo Educandário Curitiba, que estava localizado na Associação Eunice Weaver do Paraná (AEW-PR), filhos e filhas de pessoas atingidas pela doença foram acolhidos e viveram a infância em meio à ausência, à saudade e à esperança de um reencontro que, em muitos casos, nunca aconteceu.

Desde 2011, diversos projetos de lei foram apresentados na Câmara dos Deputados, buscando uma pensão especial para os filhos separados de seus pais atingidos pela hanseníase e que foram afastados ou internados compulsoriamente, com o objetivo de reconhecer e, de alguma forma, indenizar os danos causados para essas pessoas. Muitos desses projetos de lei foram considerados prejudicados e arquivados após a aprovação de um texto consolidado (substitutivo) do Projeto de Lei 2.104/2011, que acabou resultando na Lei n.º 14.736/2023, a qual alterou a legislação para prever a concessão de pensão especial aos filhos separados de seus pais.

A Associação Eunice Weaver do Paraná atua na preservação da memória e na mobilização social dessas pessoas, promovendo reencontros periódicos. Esses momentos, sempre marcados por emoção e confraternização, reúnem antigos internos que compartilham histórias e fortalecem laços de afeto e pertencimento.

Paralelamente, as reuniões têm um caráter documental: nelas são coletados dados e registros dos ex-moradores para organizar cadastros e informações sobre o acolhimento institucional e a separação familiar. Esse esforço visou a apoiar o projeto de lei que buscava a concessão de benefício para os filhos separados dos pais em decorrência da hanseníase.

Na confraternização de fim de ano de 2013, por exemplo, foi realizado um mutirão de cadastramento. Foram coletados dados como nome, local de nascimento (colônias ou educandários), tempo de permanência e informações sobre o convívio com os pais biológicos ou a respeito de adoção. Para a celebração, foi promovido um café especial e a apresentação cênico-cultural do Bumba Meu Boi. O evento propiciou, ainda, um reencontro emocionante entre amigos.

Em julho de 2014, por sua vez, após um café da manhã e momentos de confraternização, cópias de 60 fichas e de documentos foram repassadas à representante do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Shirlei Terezinha de Oliveira, para apoiar o movimento de aprovação do projeto de lei em trâmite. Em dezembro do mesmo ano, um segundo evento reuniu diferentes gerações de filhos de hansenianos e seus familiares. Enquanto um delicioso barreado, chocolates e presentes de Natal alegravam as crianças, a AEW-PR forneceu orientações detalhadas sobre a reunião de documentos para apoiar a busca por futuros benefícios do governo federal.

Entre 2015 e 2019, a tradicional confraternização de fim de ano continuou mantendo vínculos com mais de 150 pessoas. Além da celebração e do resgate de memórias (com almoço, música e presentes), o objetivo desses eventos também foi o de acompanhar e orientar os filhos que foram afastados de seus pais que tinham hanseníase, apoiando-os na busca pela garantia de seus direitos.

Já nos anos de 2020, 2021 e 2022, marcados pela pandemia da COVID-19, o tradicional almoço foi suspenso para garantir a segurança de todos. Para não deixar a época passar despercebida, a Associação Eunice Weaver do Paraná promoveu em sua sede — em horários ampliados, para evitar aglomerações — a entrega de aves natalinas, panetones e camisetas. Mesmo diante da pandemia, a AEW-PR manteve as orientações sobre os andamentos dos projetos de lei referentes à proposição de benefícios para os filhos.

Em 24 de novembro de 2023, com a aprovação da Lei n.º 14.736/2023, o Estado brasileiro deu um importante passo no reconhecimento das injustiças cometidas, estabelecendo o pagamento de pensão especial aos filhos e filhas separados de seus pais. Mais do que um benefício financeiro, essa lei representa um ato de reparação histórica, um gesto de respeito e de valorização da dignidade humana, reconhecendo oficialmente as violações e dores sofridas por essas famílias.

Desde a aprovação da lei, a Associação Eunice Weaver do Paraná intensificou a busca de informações e orientações sobre o tema com parceiros, como o Hospital São Roque e o Morhan, com a finalidade de apoiar os ex-moradores a acessarem o benefício de forma digna e descomplicada. No final de 2023, a AEW-PR aproveitou a ação de Natal para entregar às famílias um informativo sobre a Lei n.º 14.736/2023. Essa ação de orientação se repetiu em 2024 para todos os que precisavam de aconselhamento.

Em 2025, com a publicação da Portaria n.º 90/2025 do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o procedimento para que os beneficiários deem início ao processo de reivindicação de seu direito foi finalmente estabelecido.

Em virtude dessas regulamentações, a Associação levantou documentos históricos, elaborou formulários de requisição e acolheu os ex-moradores na busca por informações sobre a passagem deles pelo Educandário Curitiba. Cada contato tem sido uma oportunidade de escuta, empatia e cuidado, passos firmes na reconstrução de laços e preservação da memória.

A Associação Eunice Weaver do Paraná segue acompanhando todas as notícias e atualizações sobre a legislação, mantendo-se informada e pronta para compartilhar essas informações com os beneficiários, publicando-as na seção de notícias deste site. Essa atualização constante permite que a instituição continue atuando de forma ágil, oferecendo orientação segura, apoio técnico e acolhimento humano.

Essa caminhada representa mais do que uma busca por um benefício: é uma reparação histórica, um gesto de justiça e humanidade. É o resgate da memória de um grupo que foi silenciado, mas que agora encontra voz, vez e acolhimento. Porque nenhuma história deve ser esquecida. E toda história pode ser transformada quando é contada com amor e dignidade.

Clique aqui e confira mais informações sobre como acessar o benefício.

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A Rede Nacional Primeira Infância entrega ao Governo e à sociedade brasileira sugestão de Plano Nacional pela Primeira Infância, que propõe ações amplas e articuladas de promoção e realização dos direitos da criança de até seis anos de idade nos próximos doze anos

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