A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Eliminação da Discriminação contra Pessoas Afetadas pela Hanseníase, Alice Cruz, afirmou neste mês que, no Brasil, quem tem confirmado o diagnóstico da doença sofre uma segregação “institucionalizada e interpessoal”. Segundo a especialista, ainda na atualidade, embora comunidades – mais frequentemente denominadas colônias – continuem funcionando em quase todos os estados do país, elas não operam dentro de um modelo capaz de mitigar a “indigência institucional” à qual estão submetidas essas pessoas.
A representante da ONU visitou em maio, entre os dias 7 e 14, diversos pontos do Rio de Janeiro e do Pará, como o Hospital Curupaiti, situado na zona oeste da capital fluminense. Nessas ocasiões, levantou informações sobre os direitos das pessoas atingidas pela hanseníase.
A emissária da Organização das Nações Unidas destacou que o Brasil é um dos poucos países que instituíram um marco legal antidiscriminatório e medidas de reparação para esses cidadãos. Ela avalia que, mesmo com iniciativas pioneiras e uma queda na taxa de incidência da doença durante a última década, a enfermidade permanece como uma “questão sumamente importante”, devido à relação que tem com disparidades sociais e estruturais.
“Encontrei uma situação administrativa muito complexa, pois as colônias estão enquadradas na atenção à saúde, mas, na verdade, são espaços de residência. Então, não basta ter uma estratégia de saúde, pois as pessoas precisam de água, de luz. Isso impele a repensar a administração desses espaços”, ressaltou Alice durante a sua passagem pelo país.
Brasil
A representante lembrou que o Brasil é um dos países que apresentam, em nível global, os maiores índices de hanseníase, e, de acordo com o Ministério da Saúde, encontra-se entre os 22 países no mundo que têm as mais elevadas cargas da doença. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 200 mil novos casos da enfermidade são detectados em todo o mundo, a cada ano, sendo que Brasil, Índia e Indonésia concentram 80% desse total.
Outro dado apontado por Alice é que a hanseníase se faz mais presente nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, sobretudo na Amazônia Legal. O Maranhão, salientou a emissária, foi o estado em que se descobriu, em 2017, a maioria dos casos em crianças menores de 15 anos e que ficou em segundo lugar em números absolutos, com 11,59% do total de casos registrados no país.
A representante da ONU disse que durante o seu trabalho de campo foram relatadas situações que evidenciam o preconceito vivido por pacientes com hanseníase e também o aprofundamento da vulnerabilidade social e do estigma imposto a essas pessoas. Ela relatou que crianças chegaram a ser expulsas da escola depois que profissionais da instituição souberam que um dos pais tinha a enfermidade. “É muito mais do que a doença. A hanseníase afeta todas as dimensões da vida de uma pessoa”, observou.
Alice Cruz informou que agora irá reunir suas observações em um relatório e que a previsão da divulgação do material é junho de 2020.
Hanseníase
A hanseníase é uma doença crônica que tem como agente etiológico o bacilo Mycobacterium leprae. A infecção pela enfermidade pode acometer pessoas de ambos os sexos e de qualquer idade. Porém, como reforçou a representante da ONU, tem difícil transmissão, já que é necessário um longo período de exposição à bactéria, motivo pelo qual apenas uma pequena parcela da população infectada chega realmente a adoecer.
A enfermidade é transmitida pelas vias aéreas superiores (tosse ou espirro), por meio do convívio próximo e prolongado com uma pessoa doente sem tratamento. A hanseníase apresenta um longo período de incubação; ou seja, há um intervalo, em média, de dois a sete anos até que os sintomas se manifestem. De acordo com o Ministério da Saúde, já houve, porém, casos atípicos, em que esse período foi mais curto (sete meses) ou mais longo (de 10 anos).
A doença provoca alterações na pele e nos nervos periféricos, podendo ocasionar, em alguns casos, lesões neurais, o que gera níveis de incapacidade física. Os estados do Maranhão e do Pará são os que concentram mais casos com quadro de incapacidade física grau 2, quando a análise se restringe a pacientes com até 15 anos de idade, enquanto o Tocantins tem a maior taxa entre a população geral, de todas as faixas etárias.
Fonte: EBC