Por Max Gomes e Vinicius Ferreira (IOC/Fiocruz)
Morador de Vila Valqueire, bairro de classe média e classe média alta da zona Oeste do Rio de Janeiro, Tom (nome fictício), de 74 anos, não imaginou que a pele avermelhada, o formigamento constante nos braços e pernas, o ressecamento das mãos ou a perda de sensibilidade nos pés poderiam ser sintomas do estágio avançado da hanseníase.
A identificação da doença aconteceu no final de 2022 ao acompanhar o filho em uma consulta no Ambulatório Souza Araújo, que presta atendimento a pacientes com hanseníase, na sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), localizada no Rio de Janeiro.
Emílio (nome fictício e filho de Tom), de 46 anos, se deparou com uma pequena mancha nas proximidades do tornozelo. Dias passaram e a mancha de cor rosada não desapareceu. Ao tocar, percebeu que a sensibilidade no local não estava 100%. Foi aí que o sinal de alerta acendeu.
“A princípio achei que pudesse ser reação à picada de algum inseto. Mas a mancha não sumia e logo depois percebi que algo estava estranho, pois tocava no local e não sentia direito. Tratei logo de procurar um médico. Ao relatar o ocorrido, fui encaminhado para o ambulatório da Fiocruz”, relembra o advogado e gestor de imóveis.
Ainda no início dos sintomas, Emílio passou por uma longa e sofisticada bateria de exames até que os profissionais conseguissem detectar, em um fragmento da pele, achados compatíveis com o diagnóstico de hanseníase.
Nesse ínterim, enquanto aguardava na recepção a realização dos testes do filho, Tom foi chamado ao consultório médico para que pudesse contribuir com o histórico epidemiológico dos contatos intradomiciliares, considerados os mais expostos à infecção.
“Ao olharem para mim, os médicos identificaram vários sinais físicos da doença, que na nossa cabeça eram provenientes da idade. Fiz alguns exames e logo veio o resultado positivo. Sem saber, acabei passando para o meu filho que mora comigo”, conta.
Pai e filho já iniciaram o tratamento e, tendo em vista a rápida ação dos medicamentos, não transmitem mais a doença e continuam a levar a vida normalmente.
Hanseníase: saiba mais sobre a doença milenar
O breve relato que abre esta reportagem ajuda a desmistificar muitos dos estereótipos atrelados à hanseníase, um dos agravos mais antigos da humanidade. Infecciosa, transmissível e de evolução crônica, a doença pode acometer pessoas de qualquer gênero, idade e classe social.
Desde a década de 1990, com mudanças nas diretrizes brasileiras de vigilância e saúde da doença, cujo foco passou a ser o cuidado com as pessoas infectadas, o país vive uma guinada no combate e controle do agravo.
“É importante que seja feito o diagnóstico precoce. A hanseníase tem cura e o tratamento é eficiente, ofertado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde [SUS]. Se tratado a partir do surgimento dos primeiros sinais, o paciente tende a ter uma recuperação sem sequelas”, destaca Anna Maria Sales, médica do Ambulatório Souza Araújo e pesquisadora do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
A classificação da doença tem base nos processos de defesa pelo sistema imunológico. No formato paucibacilar – quando o paciente consegue produzir boa resposta imune –, a infecção fica contida em regiões específicas do corpo. Na forma multibacilar – devido à resposta celular ineficiente –, há multiplicação dos bacilos e acometimento disseminado pela infecção.
Sinais e sintomas
Consideradas como principal forma de identificar a hanseníase, as manchas sinalizam, em geral, a presença da forma paucibacilar da doença. Como elas apresentam, inicialmente, uma tonalidade mais clara em relação à cor da pele, podem ser facilmente confundidas com pitiríase versicolor (infecção fúngica conhecida popularmente como “pano branco”), entre outras doenças de pele.
“A hanseníase é uma doença de espectro clínico diversificado. Ou seja, pode apresentar muitos sinais e sintomas, e, por isso, precisamos estar atentos a todos. A mancha é apenas um deles, podendo aparecer em um tom mais claro que a pele ou avermelhada”, explica Anna.
“Na hanseníase multibacilar, os pacientes podem apresentar dormência constante nas mãos ou nos pés, diminuição das sensibilidades térmica, dolorosa e tátil. Sensação de choque nos membros e nariz entupido também são indicativos e devem constar na anamnese do paciente”, completa.
Se o agravo for tratado logo nas primeiras manifestações clínicas, é possível reverter os acometimentos por ainda serem superficiais. No entanto, caso haja demora para iniciar o tratamento, o paciente pode desenvolver incapacidades físicas.
“Uma das principais sequelas da hanseníase é a perda parcial ou total e irreversível da sensibilidade em mãos e pés. Isso é um perigo para a qualidade de vida do paciente. Imagina não ser capaz de sentir quando algo está quente a ponto de causar queimaduras? Ou não sentir dor quando pisar em um prego, podendo levar a feridas e infecções?”, aponta a médica.
Essas feridas e infecções acabam por atingir os ossos, levando à destruição do tecido ósseo e causando as conhecidas e temidas deformidades em mãos e pés. “Para conseguirmos enfrentar a hanseníase, a população precisa conhecer mais e melhor a doença e falar abertamente sobre ela, incluindo sinais e sintomas, formas de transmissão, tratamento e possíveis sequelas. Apesar de ser um agravo milenar, o conhecimento sobre ela é pouco difundido, o que contribui para a estigmatização dos pacientes”, declara.
Doença negligenciada
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a hanseníase é considerada uma doença negligenciada, em razão do pouco investimento dedicado ao seu enfrentamento. Com o objetivo de aumentar a conscientização sobre a enfermidade, é lembrado no primeiro mês do ano o “Janeiro Roxo”, quando são celebradas datas nacionais e internacionais em alusão à doença.
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Fonte: Agência Fiocruz de Notícias