De 1992 a 2000 a vida da servidora pública do Distrito Federal Marli Araújo, 61 anos, foi um tormento. Foram anos de peregrinação a serviços públicos e privados de saúde — período em que foi tratada até como doente mental — para obter o diagnóstico de um mal silencioso e estigmatizante: a hanseníase.
Marli foi vítima de uma doença considerada negligenciada, assim como a tuberculose, a leishmaniose, a doença de Chagas, a sífilis congênita e outras que afligem a humanidade há séculos e que, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), não receberam a devida atenção das autoridades, da indústria farmacêutica e das instituições de pesquisa. O tema foi debatido nesta terça-feira (16) pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, sob a presidência do senador José Medeiros (PPS-MT).
“Meu maior choque foi ter sido discriminada por um médico e por um dentista, que se recusaram a me atender depois que descobriram minha condição. Há ignorância da população e total despreparo dos profissionais, que sequer sabem detectar a enfermidade, cujo diagnóstico é feito por exame clínico”, lamentou Marli.
Integrante do Grupo de Apoio às Mulheres Atingidas pela Hanseníase (GMAH), atualmente Marli Araújo tem a doença sob controle e luta pelos direitos dos pacientes. Ela lembra que as sequelas da hanseníase não são consideradas deficiências, e as vítimas ficam totalmente desassistidas, apesar de estarem impossibilitadas de trabalhar.
Ela defende ainda o estudo obrigatório das doenças negligenciadas em todas as escolas de Medicina do país: “Os médicos saem sem saber nada de hanseníase. Por isso, brigo pelo diagnóstico correto e rápido para ninguém sofrer o que eu sofri”, disse.
Formação
A falta de preparo dos profissionais de saúde foi debatida em boa parte da reunião. Os especialistas da área concordaram que há deficiências na formação dos estudantes.
A presidente do Departamento de Dermatologia da Associação Paulista de Medicina, Leontina Margarido, lembrou que as doenças negligenciadas não atingem somente as camadas pobres da população, mas gente de todas as classes sociais. Além disso, ressalta, muitas delas têm cura a partir de um diagnóstico precoce: “No caso da moléstia de Hansen, por exemplo, um paciente em fase inicial gasta US$ 10 por mês e, em seis meses, está curado. O doente com diagnóstico tardio gasta US$ 20 por mês por dois anos e não tem todas as necessidades atendidas. Sem falar nas sequelas psicológicas e sociais”, alertou.
O representante do Ministério da Saúde, Alexandre Medeiros de Figueiredo, disse que o desafio não é só agilizar o diagnóstico, mas investir em ações de vigilância e comunicação para combater a ignorância.”Essas doenças não devem gerar exclusão. Tuberculosos e hansenianos sofrem grande discriminação nas suas comunidades. Estigmatizar e excluir foram no passado as formas de lidar com esses problemas. Hoje não mais”, afirmou o especialista, depois de lembrar que no Brasil, de 1924 até meados dos anos 60, existia internação compulsória para pacientes diagnosticados com hanseníase.
Reformas
Já o representante do Ministério da Educação, Vinícius Ximenes, ressaltou que o MEC vem realizando um ciclo de reformas nas diretrizes curriculares nacionais. Segundo ele, mudanças importantes foram feitas em 2001 e em 2014 para “deixar o ensino médico à altura dos desafios do século 21”.
Para Ximenes, a evolução tecnológica e a especialização da medicina ao longo dos anos mascararam a fragilidade dos profissionais: a clínica geral. “Muitos são excelentes especialistas, mas a bagagem clínica é deficitária, do ponto de vista do conhecimento geral”, reconheceu.
Também participaram da audiência pública o médico Henrique Batista e Silva, representante do Conselho Federal de Medicina, e o presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), Sigisfredo Luis Brenelli.
Fonte: Agência Senado