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Brasil registra mais de 300 mil casos novos de hanseníase na última década

Ao longo dos últimos dez anos, o Brasil registrou 312 mil casos novos de hanseníase, o que coloca o país no segundo lugar do ranking mundial dessa doença milenar, que tem cura, mas ainda continua a fazer vítimas. Do total de registros, cerca de 30% (90 mil pessoas) já foram diagnosticados com algum grau de incapacidade física; ou seja, apresentavam perda de força e/ou da sensibilidade protetora ou deformidades visíveis nas mãos, nos pés ou nos olhos, comprometendo o trabalho ou a realização de atividades cotidianas.

O alerta é da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). A necessidade de combater essa doença fez com que a entidade lançasse uma campanha no início do ano, no Janeiro Roxo, voltada para as redes sociais, sob o tema “A hanseníase é negligenciada, mas a saúde não!”. Com a iniciativa, a entidade pretendeu colocar o assunto em debate, buscando a qualificação da assistência e a defesa dos direitos dos pacientes.

Pelos números apurados pela SBD, por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, em 2010 o total de casos novos diagnosticados com algum tipo de deformidade (Grau 2) e com diminuição ou perda da sensibilidade nos olhos, mãos ou pés (Grau 1) aumentou. Desse modo, o percentual passou de 30,8% dos casos avaliados, em 2010, para 39,4%, em 2019.

“São números preocupantes e, apesar disso, a hanseníase ainda é uma doença negligenciada. Trata-se de um contexto contra o qual a SBD e muitos gestores públicos têm trabalhado arduamente a fim de conscientizar a população sobre as manifestações clínicas dessa doença e sobre a importância da prevenção”, ressalta o presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Mauro Enokihara.

Segundo ele, a detecção e o tratamento precoces da doença são fundamentais para que o paciente evolua sem sequelas e para diminuir a chance de transmissão da enfermidade para outras pessoas, em especial aquelas com quem convive regularmente. “Infelizmente, observamos um aumento na proporção de casos novos que chegam ao médico com incapacidades físicas, às vezes irreversíveis”, pontua.

Distribuição
No Brasil, a hanseníase está mais presente nas áreas com menores indicadores de desenvolvimento humano (IDH). A região Nordeste concentra o maior número de casos novos detectados ao longo da última década, 43% do total, o equivalente a 132,7 mil pacientes. Em segundo lugar, aparece o Centro-Oeste, com 20% dos casos, seguido do Norte (19%) e Sudeste (15%). Somente 4% dos novos pacientes identificados nos últimos dez anos estão na região Sul.

Um terço dos casos novos registrados na população geral durante o período se concentra em apenas três unidades da federação: Maranhão (36.482), Mato Grosso (33.104) e Pará (31.611). Os estados de Roraima, Rio Grande do Sul e Amapá diagnosticaram menos de 1.500 casos novos da doença na década.

Perfil
Um dado que chama a atenção é a distribuição dos casos por sexo. Como ocorre na maior parte dos países, há maior incidência da doença entre os homens, que representam 55% dos casos novos detectados na última década.

Para Sandra Durães, coordenadora do Departamento de Hanseníase da SBD, isso pode estar relacionado a uma série de fatores, inclusive biológicos, ainda não bem conhecidos. “Para suspeitar da hanseníase, a pessoa precisa estar atenta aos sinais do seu corpo e muitas vezes as manchas da doença são silenciosas, não doem e não coçam. Além disso, sabemos que, culturalmente, o homem brasileiro tem mais dificuldade de ir ao médico e cuidar da própria saúde”, destaca.

Os números do Ministério da Saúde revelam ainda que a hanseníase afeta, principalmente, os analfabetos e pessoas com ensino fundamental incompleto. Esse grupo representa 54% das notificações da doença na década.

“A hanseníase está classificada entre as doenças ditas negligenciadas, que atingem populações com baixo IDH. O Brasil, apesar de estar entre as grandes economias mundiais, apresenta grande desigualdade social. Nas periferias de suas metrópoles, existem grandes bolsões de pobreza caracterizados por habitações insalubres e difícil acesso aos serviços de saúde, o que facilita a transmissão dessa doença”, lembra Heitor de Sá Gonçalves, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia.

Ele observa, no entanto, que, por se tratar de uma endemia, a rigor toda a população está exposta à hanseníase, mesmo as pessoas de maior poder aquisitivo ou grau de escolaridade. Pelos números oficiais, quase 50 mil pacientes diagnosticados com hanseníase (16%), desde 2010, tinham ensino médio ou superior completo.

Finalmente, a SBD alerta para o perfil etário dos pacientes. No período de 2010 a 2019, foram diagnosticados no Brasil 21.433 casos novos de hanseníase em menores de 15 anos, tendo sido registrado no último ano o menor volume de casos da série histórica para essa faixa etária.

“Devido ao longo período de incubação da doença, a ocorrência de casos até os 15 anos indica focos de transmissão ativa; ou seja, pessoas infectadas, sem tratamento, dentro das residências. Esse é um importante sinalizador para o monitoramento da endemia”, completa o vice-presidente.

Mais da metade dos pacientes com diagnóstico de hanseníase na década tinham entre 30 e 59 anos de idade (com proporções semelhantes entre aqueles na 4ª, 5ª e 6ª décadas de vida). Outra parcela significativa tinha mais de 60 anos (22%). Isso confirma se tratar de uma doença de evolução lenta, que pode levar mais de cinco anos para apresentar sinais e sintomas. “É preciso trabalhar para mudar essa realidade. A demora no diagnóstico, com consequente atraso no início do tratamento, pode ter implicações graves na vida dos pacientes”, concluiu o presidente Mauro Enokihara.

Fonte: Sociedade Brasileira de Dermatologia