Mais de 8,7 mil pessoas que, entre as décadas de 1950 e 1980, contraíram hanseníase e foram internadas compulsoriamente em hospitais-colônias já estão recebendo pensão como indenização do Estado. Os dados são da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, responsável pela coordenação da comissão que analisa os processos.
Os números se referem às informações registradas até setembro de 2015. Eles foram apresentados nesta semana durante o 8º Simpósio Brasileiro de Hansenologia, evento que foi realizado em São Paulo. Inicialmente, a estimativa do governo federal era de que 4 mil pedidos para obtenção do benefício seriam feitos.
Desde 2007, com a lei federal número 11.520, pessoas submetidas ao isolamento forçado passaram a ter direito a uma pensão de um salário mínimo e meio. Até 1986, uma lei recomendava a internação desses pacientes em locais chamados, à época, de leprosários. Com o fim dessa política de prevenção, as unidades foram transformadas em hospitais-gerais. No total, foram feitas 11.963 solicitações, mas apenas 3.171 foram indeferidas.
Maria Eugênia Gallo, da Secretaria de Direitos Humanos, informou que, em alguns casos, faltam documentos que comprovem o isolamento. “Esses livros [de registro de internação de pacientes] são muito preciosos. Infelizmente, das dezenas de leprosários que tivemos em todo o país, temos apenas três livros para consultar. O restante da documentação é muito precária ou inexistente”, disse.
Ela destacou os isolamentos ocorridos no Acre, onde está boa parte (46 dos 145) dos pedidos de indenização judicializados. “Temos levantamento, mas poderia dizer que 90% são totalmente incapacitados. Eles eram diagnosticados e mandados para os seringais, onde continuavam exercendo a profissão, sem nenhuma orientação ou tratamento adequado. Não temos como avaliar o processo, porque não existe documentação”, explicou. O Acre perde apenas para Minas Gerais, com 63 do total de casos judicializados.
O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) luta para estender esse direito aos filhos de portadores de hanseníase que foram entregues para adoção, gerando a separação de milhares de famílias. Thiago Flores, diretor nacional do movimento, afirmou que, embora exista a percepção de que essa é uma reparação importante, os entraves atuais para andamento do projeto de lei no Congresso Nacional são políticos e financeiros.
“Hoje, você tem dificuldade para conseguir um projeto que traga mais gastos para o governo. Do ponto de vista do reconhecimento de direitos, conseguimos avançar bastante. Nosso principal problema é econômico. O que trava o projeto é a questão orçamentária”, pontuou Flores. A estimativa é que 10 mil brasileiros ainda buscam familiares separados pelo isolamento compulsório de pacientes com hanseníase.
Preconceito
Para o diretor do Morhan, o combate ao preconceito e a capacitação de profissionais para o diagnóstico precoce são os principais desafios para enfrentar a doença. Segundo ele, atualmente a enfermidade é tratada como outra qualquer e o risco de transmissão é interrompido a partir da primeira dose do tratamento. “Muitas pessoas ainda têm a visão da doença como lepra bíblica, uma visão de que a moléstia é uma maldição, um castigo. A partir do momento em que não temos informação de que a hanseníase é comum, fica muito difícil a adesão ao tratamento”, salientou.
Flores é filho de pais com a doença e que foram isolados compulsoriamente na colônia Santa Izabel, em Betim, Minas Gerais. Quando nasceu, já era permitido que os pais permanecessem com os filhos. É lá que eles moram até hoje. “Na minha época, a colônia já era aberta, livre e não tinha mais a questão dos filhos separados”, contou. De acordo ele, desde 1984, em Santa Izabel, os pacientes tinham direito a deixar a colônia. Acrescentou que a maioria permaneceu no local por viver lá há décadas e por ter perdido o vínculo com a família, além do medo do preconceito.
Passados 30 anos, ele reconheceu que, apesar de a colônia existir como um bairro comum no município, ainda há muito preconceito, pela falta de informação sobre a área da Santa Izabel. “As pessoas ainda carregam um estigma muito grande, principalmente nas cidades, porque essas colônias foram construídas em áreas isoladas. Tem diminuído, mas ainda há preconceito em relação àqueles que vivem em regiões de colônias, por causa da falta de informação”, ressaltou.
Sobre a hanseníase
De acordo com o Ministério da Saúde, a hanseníase é uma doença infectocontagiosa, crônica, que atinge a pele e os nervos periféricos. Se não for diagnosticada e tratada precocemente, pode levar a sérias incapacidades físicas. A enfermidade tem cura e o seu tratamento é oferecido gratuitamente via Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, 31.064 novos casos da doença foram registrados somente em 2014.
Fonte: Portal Brasil