Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentaram recentemente trabalhos envolvendo doenças negligenciadas, como a hanseníase e a malária, além da COVID-19, na Reunião Anual da Rede Pasteur. Realizado no Rio de Janeiro e co-organizado pela Fundação, o evento ocorreu pela primeira vez nas Américas.
Entre os temas dos estudos apresentados, estavam a seleção e a formulação de tratamentos mais eficazes e de vacinas ainda inexistentes no país. Estes três estão entre os 14 estudos selecionados entre cientistas de mais de 30 instituições em 25 países que compõem a Rede Pasteur. Eles foram desenvolvidos por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/ Fiocruz), da Fiocruz Rondônia e da Fiocruz Pernambuco, em parcerias com outros membros da rede.
Hanseníase
O trabalho do Laboratório de Microbiologia Celular do IOC/Fiocruz sobre hanseníase, publicado em 2023, teve destaque na reunião. Diante da falta de tratamento específico para a neuropatia causada pela hanseníase, os pesquisadores desenvolveram uma plataforma de testagem de medicamentos neuroprotetores capazes de manejar essa questão. O modelo permite, então, uma triagem e possível reposicionamento de fármacos que possam inibir o remodelamento metabólico da célula de Schwann.
Os pesquisadores desenvolveram, em parceria com o Instituto Lauro de Souza Lima, um modelo de neuropatia hansênica em camundongos, que será utilizado para validação de medicamentos e aprofundamento do entendimento sobre os mecanismos moleculares responsáveis pelo início do dano neural na hanseníase. O trabalho teve ainda parceria com o Instituto Pasteur. O estudo está, atualmente, na etapa in vitro e tem como próximo passo, com expectativa para o ano que vem, a etapa in vivo. Espera-se que até 2030 comecem os ensaios clínicos com inibidores de síntese de ácido graxo, hoje utilizados no tratamento da diabetes e do câncer.
Coordenador do estudo, o pesquisador Flavio Lara explicou que a hanseníase é uma doença socialmente determinada e com pouco investimento de farmacêuticas – o último tratamento foi lançado há cerca de 30 anos. Uma das grandes questões, hoje, é que a neuropatia associada à doença não tem um tratamento específico. O estudo do IOC/Fiocruz busca entender as bases moleculares da neuropatia para encontrar medicamentos capazes de freá-las.
“Estamos demonstrando que um dos problemas da neuropatia é que antígenos da bactéria são capazes de persistir nos tecidos e continuar promovendo o remodelamento do metabolismo da célula de Schwann, levando à perda do suporte físico e metabólico do axônio. Estamos conseguindo achar os pontos-chaves dessa sinalização e os inibindo com medicamentos já disponíveis no mercado”, disse Lara. “Com isso, assim que receber o diagnóstico, será possível entrar com algum desses medicamentos acessórios para proteger o nervo dos pacientes”, completou.
COVID-19
Considerado pioneiro no país, outro estudo apresentado na reunião foi um projeto da Fiocruz Pernambuco coordenado pelo pesquisador Fabio Formiga sobre a formulação de anticorpos monoclonais (mAbs) utilizando nanotecnologia para o tratamento da COVID-19. Atualmente, a opção recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos moderados e graves da doença é de uso intravenoso, o que limita o alcance do anticorpo nos pulmões.
O projeto desenvolveu nanopartículas capazes de incorporar o anticorpo e direcioná-lo ao tecido pulmonar com maior potencial de seletividade e eficácia. Com liberação gradual e controlada, a principal vantagem da nanoformulação é, portanto, promover ação local do mAb no tecido pulmonar, mitigando a resposta inflamatória ocasionada pela infecção por COVID-19. Um estudo de viabilidade patentária também está em andamento.
Para Formiga, o projeto tem mostrado resultados promissores. “A nanoformulação demonstrou eficiência de associação ao anticorpo, estabilidade, compatibilidade com células pulmonares e deposição pulmonar em teste com camundongos. Nossa pesquisa abre perspectivas para novas etapas do desenvolvimento da formulação na forma de um aerossol para uso inalatório”, pontuou o pesquisador. “A tecnologia pode ser, inclusive, adaptada futuramente para outras infecções pulmonares – o que reforça ainda mais o potencial desse projeto”, acrescentou.
O projeto foi concebido em parceria com o Instituto Pasteur de Montevidéu, onde foram realizados ensaios pré-clínicos de segurança e deposição pulmonar da nanoformulação em camundongos. Também participaram do projeto o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Niels Bohr da Universidade de Copenhagen (Dinamarca).
Malária
O projeto desenvolvido pela Fiocruz Rondônia, coordenado pela pesquisadora Maisa Araújo, visa gerar anticorpos monoclonais contra a fase infectante de Plasmodium vivax, espécie de malária endêmica na região da Amazônia Brasileira para futura geração de uma vacina de bloqueio de transmissão, ainda inexistente no Brasil. Os cientistas estão, atualmente, na fase de seleção de peptídeos específicos para seleção de anticorpos produzidos naturalmente por indivíduos de áreas endêmicas que tiveram mais de três infecções por malária vivax.
A malária é a doença mais mortal transmitida por vetores no mundo. A infecção começa quando esporozoítos são inoculados na pele do hospedeiro após a picada de mosquito. No Brasil, a maioria dos casos da doença é causada por Plasmodium vivax, que pode permanecer dormente por semanas a meses. Além disso, também pode ser clinicamente silenciosa. Avanços recentes mostraram que a imunização passiva com uma dose de anticorpo monoclonal humano (hmAb) contra uma proteína específica (circumsporozoíta, CSP, do Plasmodium falciparum, a principal proteína de superfície dos esporozoítos) pode bloquear completamente a infecção por esporozoítos Pf.
Com base nisso, a proposta do projeto visa gerar hmAbs recombinantes potentes que tenham como alvo esporozoítos Pv, controlando assim a infecção primária e as recidivas subsequentes.
Com início em junho, a equipe recebeu em outubro a aprovação do Comitê de Ética para o recrutamento dos participantes para o estudo. Em parceria com o Instituto Pasteur, o trabalho foi aprovado a partir de um edital Fiocruz – Institut Pasteur – USP Call 2023. Da Fiocruz Rondônia, além de Maisa Araújo, participa do estudo o pesquisador Jansen Medeiros.
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias