A hanseníase é causada por uma bactéria – o Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen – e tem a transmissão inter-humana; ou seja, de pessoas para pessoas. Embora muita gente acredite que a doença milenar não exista mais, ela existe e acomete milhares de brasileiros todos os anos, além de carregar consigo o preconceito, principalmente por causa das sequelas que pode provocar se não for diagnosticada precocemente. O caminho para combater esse estigma está na conscientização da população sobre a doença. É o que afirma a médica Nadia Almeida, chefe do Serviço de Dermatologia do Hospital Pequeno Príncipe, instituição parceira da Associação Eunice Weaver do Paraná (AEW-PR).
Neste domingo, 30 de janeiro, data na qual é lembrado o Dia Mundial de Combate à Hanseníase, a AEW-PR traz uma entrevista com a especialista, visando a contribuir com a disseminação de informações sobre essa doença, que conta com tratamento gratuito oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o mais importante: tem cura.
AEW-PR – O que causa a hanseníase?
Dra. Nadia Almeida – A hanseníase é causada por uma bactéria. Esse bacilo penetra na pele pela primeira vez e depois vai se reproduzindo no sistema nervoso. Primeiramente aparecem as manchas de pele, depois o amortecimento e as outras consequências que a gente já sabe. Há pessoas que são bem resistentes, que entram em contato com o bacilo, e o bacilo morre; a doença acaba ali. Mas outras são mais suscetíveis e desenvolvem formas mais intensas, que vão levar à doença mais grave. São essas pessoas que transmitem a enfermidade.
AEW-PR – E há uma explicação para essa resistência?
Dra. Nadia Almeida – Há bastantes estudos genéticos hoje em dia, como os estudos de biologia molecular que apontam que algumas pessoas são mais suscetíveis e que isso pode ocorrer por características genéticas de comportamento frente ao bacilo de Hansen, que é um parente do bacilo que causa a tuberculose. Mas a imunidade, a resistência, é individual, além de sabermos que pode ter o caráter genético, hereditário também.
AEW-PR – Quais são os principais sinais e sintomas da hanseníase? Ela pode ser confundida com outras doenças?
Dra. Nadia Almeida – Ela pode ser confundida pelo fato de ser uma doença que demora muito tempo para aparecer, pois demora anos para se manifestar. Às vezes, a pessoa está infectada e não percebe. Os primeiros sinais são as manchas brancas e, principalmente, amortecidas, que anestesiam. Isso porque o bacilo atinge as terminações nervosas, as destrói, e a pele fica amortecida. Esse amortecimento pode vir pelos dedos, pelos pés. Então, as pessoas se machucam, se cortam, se queimam e não percebem, pois a pele está amortecida. Com a evolução, essas manchas podem se tornar vermelhas e pode acontecer a ulceração. As manchas não desaparecem, é uma evolução de anos.
AEW-PR – Como é feito o diagnóstico da hanseníase?
Dra. Nadia Almeida – A hanseníase é uma doença bastante estudada, exatamente porque é uma enfermidade muito antiga, mutilante, incapacitante. O diagnóstico é basicamente clínico, é você saber que tem aquela mancha, procurar o serviço de saúde; quem te atender no serviço de saúde, que pode ser nas diversas camadas do serviço de saúde, saber que é hanseníase e detectar. Não existe um exame feito para saber se a pessoa tem a doença. A doença de pele que é a marca, as manchas amortecidas. E depois pode ser feito um exame para confirmar o diagnóstico.
AEW-PR – E o tratamento, como é feito?
Dra. Nadia Almeida – O tratamento é disponibilizado pelo SUS gratuitamente. Há dois tempos de tratamento: de seis meses, para quem não transmite a doença [hanseníase paucibacilar], e de um ano, para quem está transmitindo a doença [hanseníase multibacilar]. A hanseníase é uma doença muito fácil de tratar, pois você tem remédio de graça, o tempo de tratamento é muito curto e, a partir do momento em que você começa a tratar, já não transmite a doença. Se fosse mais divulgada, se as pessoas soubessem que a enfermidade existe e que podem estar com a doença, seria muito mais fácil de erradicar a hanseníase. Mas a enfermidade também tem o porém de que demora muito tempo para aparecer. Então, às vezes, a pessoa está doente, está transmitindo e não está fazendo o tratamento.
AEW-PR – Qual a importância da busca ativa de casos de hanseníase?
Dra. Nadia Almeida – Como a hanseníase tem a característica de ser uma doença contagiosa, ela é uma doença contagiosa familiar, no sentido do convívio na família. O convívio intenso, por muito tempo, facilita que aquele bacilo – que é um bacilo preguiçoso, que demora muito para se desenvolver – leve ao surgimento da doença. É importante ressaltar que quando o diagnóstico de um paciente é feito, é preciso examinar os contatos para verificar se não há outras pessoas que estão doentes. E além dessa transmissão familiar, a gente tem visto, principalmente entre homens, os contatos de pessoas que trabalham em frentes de trabalho, que viveram muito tempo em alojamentos, em lugares de ocupação coletiva. Isso também é um fator de transmissibilidade, que favorece o desenvolvimento do bacilo.
AEW-PR – Há casos de hanseníase em crianças e adolescentes, correto?
Dra. Nadia Almeida – Sim, e isso é um grande sinal de alerta, porque quando você vê um caso de hanseníase em uma criança, isso significa que ela está sendo exposta a uma pessoa que está transmitindo muito a doença. A hanseníase é uma enfermidade que demora anos para aparecer. Então, se uma criança já está contaminada, é porque ela está vivendo em um ambiente supercontaminado. Quando há um diagnóstico de hanseníase em criança, tem que ser feita uma busca ativa e o tratamento imediato da família. E o tratamento para essa faixa etária é o mesmo dos adultos. Dependendo da forma clínica, vai variar o tempo de tratamento. O que se acerta é somente a dosagem, pois a medicação utilizada é basicamente a mesma.
AEW-PR – Há muito preconceito, estigma, em torno da hanseníase. Qual seria o caminho para conscientizar a população a respeito dessa doença, que tem tratamento e cura?
Dra. Nadia Almeida – Acho que o único caminho é o caminho da educação em saúde, não há outra saída. É o caminho da educação em saúde desde quem faz Medicina – o médico, que é o topo da cadeia de tratamento – até do atendente de saúde que vai na casa das pessoas. E também a educação da população em geral. É preciso fazer campanhas maciças. Isso já foi feito por um tempo, e quando você realiza uma campanha são descobertos mais casos de pessoas doentes. Não é que pessoas com hanseníase não existam, mas elas estão perdidas como pacientes. E o sistema de saúde pública está perdido com a questão epidemiológica. Enquanto isso, essas pessoas estão disseminando a doença, uma enfermidade que tem cura, para a qual temos um tratamento fácil e disponível. Por isso, é quase inadmissível que esses programas de saúde pública não funcionem.