A hanseníase é considerada uma doença de saúde pública no Brasil e atingiu, nos últimos dez anos, 269.086 pessoas no país, sendo 22.277 pacientes com idades entre 0 e 19 anos, segundo dados do Ministério da Saúde. Historicamente, o Brasil fica atrás, apenas, da Índia em relação ao número de casos diagnosticados no mundo. No último domingo do mês de janeiro – dia 29, neste ano – é lembrado o Dia Mundial de Combate à Hanseníase, e a Associação Eunice Weaver do Paraná (AEW-PR) lembra nesta data que estar atento aos sinais e sintomas é fundamental para o diagnóstico da doença em seu estágio inicial. E o mais importante: a enfermidade tem cura.
“Os principais sinais e sintomas da hanseníase são as lesões na pele, que são os caroços e as manchas. Essas manchas normalmente são brancas e amortecidas, com falta de sensibilidade à dor e ao calor. Às vezes, as pessoas com a doença se queimam, queimaduras leves, ou se cortam e não percebem”, explica a médica Nadia Almeida, responsável pelo Serviço de Dermatologia do Hospital Pequeno Príncipe, instituição parceira da AEW-PR. “Em relação aos caroços, eles podem aparecer em qualquer lugar do corpo, como nos braços, nas pernas e nas costas, e não apresentam nenhum sintoma, não coçam nem doem. Então, a pessoa pode conviver por anos com eles e não dar atenção, por achar que são, por exemplo, verrugas”, completa.
A dermatologista ressalta que a hanseníase não é uma doença frequente em crianças. Nos últimos dez anos, por exemplo, os dados do Ministério da Saúde mostram que os diagnósticos da doença em meninos e meninas com idades até 14 anos representaram 4,8% do total de casos diagnosticados. “Mas quando nós detectamos a hanseníase em uma criança, isso significa que ela já conviveu muito tempo com os pais ou com alguém da família que esteja doente. O contágio ocorre exatamente por causa da convivência. A hanseníase é uma doença muito lenta, o bacilo leva tempo para se reproduzir. Tanto que é raro termos crianças pequenas com a enfermidade, mas já podemos vê-la em adolescentes”, observa.
Nadia esclarece que, no seu início, a hanseníase pode ser confundida com outras enfermidades que podem provocar manchas brancas no corpo, como o vitiligo e a pitiríase versicolor, também conhecida popularmente como “pano branco”. Caso essas manchas estejam amortecidas, com sensação de anestesia, é preciso buscar um serviço de saúde. “Se nessa mancha a pessoa não sua, se é uma mancha que não pega poeira, é preciso procurar um médico. Para qualquer dúvida que tiver, é necessário buscar ajuda”, acrescenta.
Sobre o diagnóstico e o tratamento
A médica do Pequeno Príncipe esclarece que o diagnóstico da hanseníase é clínico e pode ser realizado, por exemplo, em unidades básicas de saúde, nas quais também é oferecido o tratamento gratuitamente via Sistema Único de Saúde (SUS). Há, ainda, exames que podem contribuir para que o diagnóstico seja feito, como a baciloscopia e a biópsia de pele. “Há diferentes tipos de hanseníase, como o paucibacilar, que é aquele no qual a pessoa não transmite a doença, e o multibacilar, no qual o paciente transmite o bacilo Mycobacterium leprae. Então, esses exames contribuem para que nós saibamos qual é o tipo da enfermidade que o paciente tem”, diz.
O tratamento – feito conforme as recomendações do Ministério da Saúde, com o uso combinado de remédios da chamada poliquimioterapia (PQT) – é prescrito de acordo com o tipo de hanseníase que a pessoa tem e pode durar de seis meses a um ano. “A partir do momento em que o paciente começa a tomar o remédio, em menos de 15 dias ele já não transmite a doença. Também é importante ressaltar que, após o período de tratamento, é preciso que a pessoa retorne à unidade básica de saúde regularmente, para que seja feito o acompanhamento, pois a doença pode voltar ou o paciente pode tê-la novamente. Outro ponto importante é que todos os familiares desse paciente precisam ser examinados, pois é muito mais fácil tratar uma lesão bem recente do que uma doença já estabelecida”, destaca Nadia. E mais: o diagnóstico de uma doença recente e o tratamento em momento oportuno evitam a incapacidade física e as sequelas.
A especialista afirma, entretanto, que – mesmo se o paciente tratar a doença e alcançar a cura – a sensibilidade nas áreas com as manchas que estão com a sensação de amortecimento não voltará. “O paciente está tratado e curado, porém ele irá ficar com essa sensação de anestesia. Não significa que ele ainda tem a doença. O que ocorre é que houve uma lesão neural, que destruiu o nervo. Por isso, o amortecimento é permanente. Nesses casos, sempre orientamos os pacientes a terem cuidado, por exemplo, com queimaduras e com os calçados que usam. A hanseníase é uma doença trabalhosa para a pessoa, pois ela tem que ficar muito mais atenta dali em diante em relação à consciência do seu próprio corpo”, salienta.
Estigma e preconceito
Outro desafio enfrentado pelos pacientes com hanseníase é conviver com o estigma e o preconceito que ainda rondam a doença. Para combater isso, a dermatologista reforça que o caminho é a conscientização da população e que o apoio ao paciente começa em casa. “Muitas vezes, a pessoa com a doença convive o tempo todo com a família, mas a partir do momento em que ela tem o diagnóstico os familiares se afastam. Porém, é nessa hora que a família precisa ficar junto. Primeiramente, para dar apoio ao paciente. Até porque, uma vez que ele iniciou o tratamento, não está mais transmitindo a enfermidade”, pondera.
Além disso, a especialista recorda uma importante conquista no combate ao preconceito, que foi a substituição da palavra “lepra”, como a enfermidade era chamada antigamente, por “hanseníase” para se referir à doença, nome esse que remete ao médico bacteriologista e dermatologista norueguês Gerhard Henrick Armauer Hansen, que identificou, em 1873, o microrganismo causador da enfermidade. “Se hoje a pessoa falar que tem hanseníase, já é quase como um conforto para ela. ‘Eu tenho a doença, que é causada por uma bactéria, que eu vou tratar e vou ficar curada’”, conclui.