Poucas pessoas têm conhecimento, mas a hanseníase ainda é um caso de saúde pública no Brasil. Por falta de informação, alguns acreditam até que a doença tenha sido totalmente eliminada. Entretanto, o crescente aumento de pessoas contaminadas, a discriminação das pessoas atingidas que as afasta do tratamento, e a falta de capacitação dos agentes comunitários de saúde e médicos, têm sido determinantes para trazer à tona, a discussão de um problema grave. Por isso, diversos ativistas e instituições participaram do I Encontro Latino-Americano e Caribenho de Entidades de Pessoas Atingidas pela Hanseníase, realizado no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz). A ideia é buscar reforçar parcerias e ações para eliminar a doença.
O evento foi promovido pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) do Brasil e a Federação de Entidades de Pessoas Afetadas pela Hanseníase (Felehansen), da Colômbia, com o apoio da Fiocruz, do Ministério da Saúde e da Fundação Nippon, do Japão. O encontro foi um importante fórum de deliberação de questões para o Congresso Mundial de Hanseníase/Encontro Mundial de Pessoas Afetadas pela Hanseníase, que será realizado em setembro, nas Filipinas.
A hanseníase é uma doença milenar, com registros de mais de 600 anos a.C. A enfermidade foi conhecida durante muito tempo como “lepra”. O nome foi substituído no Brasil em 1995 por criar um estigma sobre os pacientes. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, mais de 200 mil novos casos de hanseníase são detectados no mundo a cada ano. Dessas ocorrências, 80% são registradas em três países – Brasil, Índia e Indonésia. A doença foi eliminada como problema de saúde pública em 23 países das Américas – o que significa que há menos de um caso de hanseníase em cada 10 mil habitantes registrados para tratamento. Em 2017, 29.101 novos episódios de hanseníase foram registrados no continente americano — mais de 93% deles no Brasil.
“Enfrentar as barreiras sociais para reduzir a transmissão e acabar com o estigma e a discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase é responsabilidade de todos. A Opas tem trabalhado com base em uma estratégia global, que descreve três pilares gerais para garantir um mundo sem a enfermidade, com zero transmissão, zero incapacidade e zero estigma. Esses eixos buscam fortalecer a responsabilidade, coordenação e parcerias dos governos, deter a hanseníase e suas complicações, e acabar com a discriminação e promover a inclusão”, explicou a assessora regional em Doenças Negligenciadas da Opas, Isabelle Roger.
De acordo com a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Atingidas pela Hanseníase e seus Familiares, Alice Cruz, a hanseníase tornou-se muito mais do que uma doença, virou um artifício para toda forma de discriminação e isso perpetua de forma desnecessária o sofrimento das pessoas atingidas. “Estamos buscando transversalizar a hanseníase em todo o sistema dos direitos humanos. Essa discriminação deve ser abordada com informação e educação”, defendeu a representante da ONU. Também participaram do encontro representantes do Ministério da Saúde do Brasil, da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Observatório de Direitos Humanos e Hanseníase no Brasil
No último dia 12, a Defensoria Pública da União (DPU) e movimentos sociais lançaram, no Rio, o Observatório Nacional de Direitos Humanos e Hanseníase. A iniciativa recebe e monitora notícias de violações aos direitos de pessoas com a doença. O observatório resulta de parceria firmada entre a DPU, o Morhan e a Fundação Nippon, do Japão, reunindo organizações nacionais e internacionais com atuação na defesa de pessoas atingidas pela doença. Busca auxiliar na defesa individual ou coletiva em demandas que evidenciem a hanseníase como questão de saúde pública e de direitos humanos no Brasil. O defensor público Yuri Costa, que participou do encontro na Fiocruz, apresentou o observatório e reforçou a importância do espaço no combate a atitudes discriminatórias institucionais, tendo como prioridade o direito à saúde e ao tratamento integral da pessoa com hanseníase e de seus familiares.
Laboratório de Hanseníase da Fiocruz
Apesar de reconhecer e reiterar todos os desafios da hanseníase – como uma doença negligenciada, principalmente para pesquisa e com menos infraestrutura de assistência às pessoas afetadas pela enfermidade –, o pesquisador Milton Ozório Moraes, chefe do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), apresentou um cenário otimista.
“O desafio é realmente muito grande ainda, mas hoje já contamos com eficientes ferramentas de diagnóstico e prevenção, como o exame de contatos, a imunização pela vacina BCG e a quimioprofilaxia (medicação). Além disso, o teste molecular (de DNA) para diagnóstico precoce da hanseníase, já está bem avançado e em fase de registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa”, afirmou.
Moraes disse ainda que a Fiocruz espera que até o final deste ano o produto esteja disponível em laboratórios de referência em todo o país. O teste molecular é feito com a biópsia de pele ou raspado dérmico do lóbulo auricular. As ações desenvolvidas buscam realizar o diagnóstico precoce da infecção de forma a reduzir as incapacidades provocadas pelo agravo.
“Não adianta termos as melhores ferramentas se não conseguirmos fazer os exames adequados nos contatos. Temos que convencer as pessoas afetadas e seus familiares. Com isso, é fundamental aumentarmos a visibilidade da hanseníase, utilizarmos os espaços de comunicação para sensibilizar as pessoas das dificuldades que temos e do que de fato é a doença. Não vamos conseguir resolver os problemas da enfermidade se não resolvermos o estigma e o preconceito dela”, concluiu.
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias